top of page

A lei da SAF (Sociedade Anônima de Futebol) e seus riscos em face da lei de recuperação judicial


A lei 14.193/21 ("Lei da SAF") completou, recentemente, seu primeiro ano de vigência no Brasil. A lei, que busca promover uma ampla reforma nas estruturas jurídicas dos times de futebol do país, causou diversas preocupações em seu texto e vem enfrentado diversos desafios, sendo um deles a interpretação e aplicação da responsabilidade solidária, pela justiça trabalhista ou mesmo cível, por obrigações do clube anteriores à sua constituição.

Simplificando: serão as SAFs consideradas solidariamente responsáveis - ou, como alguns propõem, integrantes do mesmo "grupo econômico" - aos clubes associativos que lhes constituíram?


Até o momento, há decisões judiciais para ambos os lados (deferindo e indeferindo a responsabilização solidária e inclusão das SAFs no polo passivo das demandas), especialmente na Justiça do Trabalho. Assim, caberá às instâncias superiores consolidar o entendimento a ser adotado pelos tribunais brasileiros, estabilizando a interpretação legal ao artigo 9º da Lei da SAF. Veja:


Art. 9º. A Sociedade Anônima do Futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas conforme disposto no § 2º do art. 2º desta Lei, cujo pagamento aos credores se limitará à forma estabelecida no art. 10 desta Lei.


Aplicando ao caso concreto, imaginemos que um clube originário, após ter constituído a SAF, teve deferido pedido de processamento da recuperação judicial, ou mesmo teve aprovado seu plano de recuperação, nos termos da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência - "LRE") e do artigo 13, inciso II, da Lei da SAF. Em seguida, credores trabalhistas e cíveis começam a requisitar a inclusão da SAF no polo passivo e consequente responsabilização solidária dela, atingindo seu patrimônio para ter saldada a dívida contraída anteriormente com o clube.


Se deferido o processamento da recuperação, em regra, restarão suspensas as execuções ajuizadas contra o devedor principal, conforme o inciso II do artigo 6º da LRE. Se o plano de recuperação já tiver sido aprovado, opera-se a novação dos créditos a ele submetidos, e os pagamentos se darão de acordo com seus termos. Há, portanto, um "estancamento" das cobranças e posterior repactuação das dívidas do clube.


Mas, dentro desse contexto, como fica a SAF? A suspensão ou a novação dos créditos seriam suficientes para proteger o seu patrimônio em caso de deferimento de responsabilização solidária?


Se o Juízo seguir o artigo 49, da Lei 11.101/05, não. Válido destacar:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.



A jurisprudência é firme ao entender que o termo "coobrigados" inclui os devedores solidários, possibilitando a cobrança desses (mesmo estando o devedor principal em recuperação judicial). A súmula 581 do STJ dispõe que: "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória"3.


Portanto, é possível imaginar, contraditoriamente, o seguinte cenário: o clube terá suas cobranças suspensas e, enquanto isso, a SAF (entidade sem qualquer relação com os fatos geradores das dívidas) terá seu patrimônio atingido por credores com quem jamais contratou.


Ou seja, uma interpretação imprópria da Lei da SAF poderá trazer consequências graves até mesmo para os casos em que o clube associativo tiver o "estancamento" das cobranças e repactuação de seus débitos, por meio da recuperação judicial.


36 visualizações0 comentário
bottom of page